Revista Apasem – edição 2024 – A cada safra, o Brasil registra maior adesão e aumento no consumo de inoculantes. Este é um bioinsumo composto por uma grande quantidade de bactérias que agem de maneira benéfica no campo. A aplicação desse tipo de produto favorece, por exemplo, o processo de fixação biológica de nitrogênio e traz uma série de vantagens para o próprio cultivo e para o produtor, com mais sustentabilidade e redução no custo de fertilizantes de origem sintética.
Apesar da tecnologia estabelecida e dos resultados positivos, quais são os desafios que o país enfrenta na adesão aos inoculantes e o impacto da sua utilização?A Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes (ANPII) estima um crescimento de 17% do setor de bioinsumos no ano de 2024, a partir da maior busca por soluções sustentáveis para a agricultura, conforme argumento apresentado pela entidade. Mesmo que essa preocupação com a sustentabilidade afete produtores de diferentes culturas e integrantes de toda essa cadeia – incluindo a produção de sementes e mudas –, ainda há uso do bioinsumo expressivamente no plantio da soja.
Dados da instituição apontam que, anualmente, mais de 140 milhões de doses de inoculantes são usados nas lavouras de todo o país. Uma pesquisa realizada por Cristiano Limberger, da Kynetec – BioSummit, de 2024, e reproduzida pela ANPII, mostra que 36% das áreas cultivadas no Brasil contam com aplicação de insumos biológicos. O volume representa 84 milhões de hectares.
Outro levantamento, da própria ANPII, foi citado em abril de 2024 para mostrar o avanço do setor. Na safra de soja 2022/2023, os inoculantes com bactérias Bradyrhizobium foram usados em 85% da área cultivada com soja em todo o país. Já o uso conjunto de Bradyrhizobium e Azospirillum apareceu em cerca de 35% da área da cultura no país.
A redução de custos também é um argumento que sustenta esse movimento em prol dos inoculantes. Dados da Embrapa apontam que essa diminuição pode chegar a 95% na comparação com o uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos. Estima-se que sejam mais de 25 bilhões de dólares economizados anualmente pelo uso de inoculantes com bactérias fixadoras de nitrogênio, somente no cultivo de soja. Paralelamente, o uso de insumos biológicos favorece a produtividade.
A expansão e o potencial deste mercado também impulsionam a própria produção de bioinsumos e isso acontece, atualmente, de diferentes formas. Há, inclusive, esse tipo de frente dentro das propriedades rurais. Ou seja, existe uma diversidade na elaboração desse tipo de produção, o que chamou a atenção de pesquisadores para trabalhar em um manual específico para os inoculantes, favorecendo um controle de qualidade nesse segmento. A iniciativa é da Embrapa Soja. A publicação, lançada em 2024, traz informações e imagens sobre a tecnologia para auxiliar a avaliação de inoculantes.
A pesquisadora Mariangela Hungria, que atua no Laboratório de Biotecnologia do Solo da Embrapa Soja, explica que a demanda para o manual surgiu a partir do Plano Nacional de Bioinsumos, que entrou em vigor por meio de um decreto em 2020. “A partir disso ocorreu uma explosão no interesse pelos inoculantes. O mercado está em franca expansão, tanto na compra quanto na produção. O número de indústrias, nos últimos três anos, cresceu mais de 100%. As pessoas estavam muito acostumadas com os químicos, sejam eles agrotóxicos para o controle de doenças ou os fertilizantes químicos. Esse interesse existe, mas a formação dos recursos humanos necessários para o desenvolvimento e o controle de qualidade dos bioinsumos é totalmente diferente”, salienta.
A avalanche de pedidos de informação técnica sobre o setor motivou ainda mais a formatação do manual, que é ilustrado e considerado inovador pela pesquisadora. Mariangela revela que esse nivelamento por qualidade é importante no país, ainda mais com a produção na modalidade chamada on farm, ou seja, dentro da própria propriedade. Sem um controle mais preciso, existem riscos desses insumos carregarem patógenos, além de possuírem baixa qualidade. “A agricultura brasileira merece insumos de qualidade, não importa se são importados, nacionais ou pelo on farm”, opina. “É preciso entender que existe uma necessidade de capacidade técnica para atuar neste segmento, e isso não acontece em curto prazo”, completa.
O controle se torna ainda mais importante diante de outra movimentação de mercado: os inoculantes podem substituir parte da demanda nacional por fertilizantes químicos. A crise gerada pelo conflito envolvendo Rússia e Ucrânia impactou diretamente as vendas desse tipo de produto, que é essencialmente importado. Além disso, o Brasil tem um vasto histórico e tradição na pesquisa e desenvolvimento de insumos biológicos, o que ajuda a embasar ainda mais essa adoção.
Como o mercado está se movimentando?
Os lançamentos e as pesquisas de inoculantes ganham velocidade, diante da demanda do próprio mercado pelo bioinsumo.
. A Embrapa, em parceria com a empresa Innova Agrotecnologia, divulgou o Bioinsumo Combio durante o Show Rural Coopavel, em Cascavel, em fevereiro de 2024. Segundo informações divulgadas pela Embrapa, o Combio auxilia no crescimento da lavoura e ainda gera outros efeitos no cultivo de soja. “Trata-se de uma combinação de três estirpes bacterianas que atuam na fixação biológica de nitrogênio e na promoção de crescimento de plantas. O Combio é uma formulação com as estirpes bacterianas BR 29 (Bradyrhizobium elkanii), BR 10788 (Bacillus subtilis) e BR 10141 (Paraburkholderia nodosa). O diferencial desse inoculante é que alia os benefícios do tradicional inoculante de Bradyrhizobium com bactérias que desempenham vários mecanismos estimuladores e protetores de plântulas, proporcionando maior qualidade e uniformidade”, trazia a divulgação da época.
Ainda de acordo com a Embrapa, o bioinsumo é um inoculante líquido, que pode ser aplicado via tratamento de sementes ou no sulco de plantio. É considerado um insumo biológico multifuncional para a cultura da soja, atendendo às expectativas do mercado de aliar soluções tecnológicas sustentáveis, controle de pragas e doenças e aumento de produtividade. Nessa pesquisa, houve o levantamento de centenas de bactérias que poderiam ser microrganismos antagônicos a fungos que impactam a germinação e a emergência de plântulas, evitando ataques de fungos em fases importantes. Caso não seja aplicado um bioinsumo, a alternativa é partir para fungicidas químicos.
Testes em campo feitos com o Combio mostraram aumento de 10% no rendimento de grãos. Uma das observações aconteceu no Paraná. De acordo com a Embrapa, a área onde foi aplicado o Combio gerou 66 sacas por hectare, enquanto o rendimento foi de 61 sacas em uma área sem inoculante e de 63 sacas com a coinoculação tradicional.
Biofábricas
Também estão em pleno andamento iniciativas de empresas de sementes e de insumos para a agricultura, com a formatação de unidades próprias para o desenvolvimento, pesquisa e monitoramento de inoculantes para aplicação em áreas específicas, especialmente aquelas dedicadas aos próprios cultivos.
Este é o caso da Bom Futuro, com sede em Cuiabá (Mato Grosso), que investiu em uma biofábrica para atender às demandas internas. O gerente técnico, Cid Reis, explica que a empresa sempre teve o incolulante Bradyrhizobium como essencial. “Ouvimos os pesquisadores dessa área de microbiologia e decidimos renovar as estirpes. São áreas bastante antigas de soja. Nunca deixamos de fazer inoculação, trazendo depois cepas novas, renovando os microrganismos com cepas mais eficientes na fixação biológica”, comenta. Em áreas novas, a dose de inoculantes é elevada, mas em regiões já estabelecidas é seguido um padrão de aplicação, seja nos sulcos ou via sementes.
Mais recentemente, a Bom Futuro apostou em novos inoculantes, dentro dessa fábrica específica para a produção desses bioinsumos, inicialmente com Azospirillum. “Essa é uma bactéria de vida livre. Não faz nódulos, mas atua na absorção de nitrogênio do ar, fornecendo isso para as plantas. Utilizamos tanto na soja quanto no milho. Também estamos com outro inoculante, que é o Bacillus subtitles, que não é para absorção de nitrogênio, mas é um promotor de crescimento de raiz. É considerado um inoculante, assim como o Amyloliquefaciens, que também tem uma ação nematicida”, esclarece Reis.
Ele ainda conta que a biofábrica tem foco especialmente nesses dois últimos inoculantes, e o Bradyrhizobium é adquirido no mercado em função do custo de produção. Além disso, a unidade tem dedicação para outros produtos biológicos, especialmente para o controle de pragas.
Por Joyce Carvalho