A esquerda no Congresso e movimentos indígenas querem criar um marco temporal do genocídio indígena para fazer frente aos avanços da bancada do agronegócio no estabelecimento do marco temporal para demarcação de terras indígenas – tese, aprovada em lei, que estabelece que povos originários têm direito de ocupar apenas as terras onde já estavam ou que já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
A resposta dos indígenas ao agro está no Projeto de Lei 4566/2023, apresentado pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG). O texto veda a imposição de qualquer marco temporal para fins de demarcação das terras indígenas e estabelece que o genocídio de indígenas iniciou em 1500 com a “invasão do Brasil”.
O termo “genocídio indígena” está muito presente na narrativa da esquerda, mais fortemente desde o governo de Jair Bolsonaro (PL). Eles acusam o ex-presidente de perpetrar um genocídio contra o povo Yanomami, fundamentando-se no número de mortes dessa população do governo anterior. No entanto, esse discurso acabou se voltando contra o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No primeiro ano de mandato do petista foi verificado um aumento no número de mortes dos yanomamis: 363 registros de óbitos, 20 a mais do que em 2022, último ano do governo Bolsonaro.
PL do genocídio indígena terá que enfrentar articulação da bancada do agro
O projeto do genocídio indígena foi aprovado no dia 2 de julho na Comissão de Povos Originários da Câmara, mas ainda precisa ser votado, pelo menos, na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), controlada pela direita. Somente após ser aprovado na Câmara é que poderá seguir para análise do Senado.
Nesse caminho, a esquerda terá que enfrentar a articulação da bancada do agro, que quer atrasar a tramitação, fazendo com que o PL do genocídio indígena seja discutido também em outras três comissões: Agricultura, Desenvolvimento Regional e Direitos Humanos. Assim, amplia-se a possibilidade de que o texto seja rejeitado nas comissões com maioria de membros contrários à proposta.
Além disso, há um pedido de arquivamento que encerra a sua tramitação. Para o deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), a intenção de Xakriabá com o projeto do genocídio é fruto da insatisfação com a lei do marco temporal aprovada em 2023 no Congresso.
“O que se constata é a evidente reapresentação de tema legalizado por este Poder [Congresso] em razão de mera irresignação com o resultado”, afirmou Côrtes, líder do PL na Câmara, ao justificar o pedido de arquivamento.
Quem decide sobre o “engavetamento” do projeto ou sobre sua redistribuição para outras comissões da Casa é o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Agro tenta avançar com uma PEC para o marco temporal
A bancada do agro tem, ainda, outra carta na manga: está tentando avançar com uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para garantir a fixação do marco temporal de 1988 na Carta Magna, o que tornaria a tese ainda mais sólida e mais difícil de ser derrubada via Supremo Tribunal Federal (STF).
Após a aprovação do PL do genocídio indígena na Comissão de Povos Originários da Câmara, a PEC do Marco Temporal (48/2023) foi incluída na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira (10). Na ocasião, o relator, senador Espiridião Amim (PP-SC), apresentou um parecer favorável à proposta.
O senador Jaques Wagner (PT-BA), porém, pediu que a votação fosse adiada até 18 de dezembro para que pudesse analisar o texto. Parlamentares da bancada do agro questionaram o prazo e, nas negociações, o presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), acabou concedendo o pedido de Wagner, mas com um prazo mais curto.
“Em outubro, votaremos a PEC [do marco temporal] nesta comissão”, garantiu Alcolumbre, que é um dos principais cotados para suceder o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a partir do ano que vem.
Durante a reunião da CCJ desta quarta-feira, movimentos indígenas fizeram forte pressão nas redes sociais e também estiveram representados no plenário da comissão. Eles apelidaram a proposta de “PEC da morte”
STF fará conciliação sobre o tema
Uma outra etapa da queda de braço entre agro e indígenas está ocorrendo no STF.
A lei do marco temporal (Lei 14701/2023), aprovada pelo Congresso no ano passado, está sendo questionada no Supremo por partidos da base do governo e movimentos indígenas. Em contrapartida, partidos de oposição e centro entraram com ações no STF para garantir a validade da lei.
As jogadas acabaram fazendo o ministro relator das ações, Gilmar Mendes, propor uma conciliação para resolver o impasse, marcada para 5 de agosto. A ideia, no entanto, foi recebida com desconfiança pelo agro e repudiada pelos movimentos indígenas.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), não há o que ser negociado. “Essa decisão do ministro Gilmar Mendes contraria a Constituição, mas também o próprio Supremo”, disse Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib, referindo-se à decisão do STF de derrubar a tese do marco temporal no ano passado.
“Nós já estamos vivendo os efeitos da Lei do Genocídio Indígena [referência à lei do marco temporal] e os ministros não podem voltar atrás do que foi dito. Queremos que eles nos ouçam e não coloquem nossas vidas na mesa para negociação”, continuou.
Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), a conciliação parece distante. “Não há o que conciliar com quem não quer conciliação”, disse o deputado ao se referir às movimentações dos indígenas.
Texto e foto – Gazeta do Povo
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