Culturas de inverno aumentam a produção de mel e preservam o solo -  Curitiba, 23/09/2021  -  Foto: IDR-PARANÁ

Trigo-sarraceno em alta

Revista Apasem – edição 2024 – A semelhança com o trigo mais conhecido fica apenas no nome. O trigo-mourisco – ou trigo-sarraceno – tem identidade própria e um potencial a ser explorado pelos produtores. E isso acontece porque pode ser utilizado em rotação de cultura e ainda gerar um produto para exportação. Basicamente, no país, o trigo-sarraceno tem esses dois “destinos”: a tecnologia no campo e o mercado asiático, para a produção de macarrão. Paralelamente, chama cada vez mais a atenção por não ter glúten e ser uma opção importante em preparos de alimentos para celíacos ou para aqueles que querem diminuir a ingestão da farinha de trigo regular.

As cultivares do trigo-sarraceno possuem períodos de desenvolvimento que agregam valor quando se trata de rotação de culturas. Assim, é possível utilizá-lo como ferramenta para a aplicação da técnica, mas sem comprometer os planejamentos de produção e utilização da área com cultivos mais rentáveis e ainda saindo do padrão de gramíneas e leguminosas. No Paraná, a principal janela de semeadura do trigo-sarraceno é de 15 de janeiro a 15 de março, basicamente.

O trigo-sarraceno é considerado como uma planta de serviço e não requer aplicação de produtos químicos. E ainda tem vantagens do ponto de vista agronômico: grande alelopatia, consegue segurar bastante gramíneas e possui um efeito cultural importante para o controle de plantas daninhas no período do outono.

“O trigo-sarraceno não possui nenhuma doença, nenhuma praga, e isso traz favorecimentos ao produtor. Além disso, é uma planta solubilizadora de fósforo e não requer adubação. Por isso, é bem interessante por esse viés e ainda gera uma renda”, comenta Fábio Schmidt, engenheiro agrônomo da Protecta, empresa de Ponta Grossa que tem a produção de sementes entre as suas atividades.

O engenheiro agrônomo e coordenador do setor de produtos tecnológicos do IDR-PR, Renan Carvalhal, reforça que a espécie é rústica e, como praticamente não tem pragas ou doenças para serem controladas, é uma ótima competidora perante as plantas daninhas. “Com isso, o produtor gasta pouco ou quase nada com o controle de invasoras, tornando-se um cultivo relativamente barato e ainda rápido. Exige pouca utilização de insumos agrícolas, incluindo herbicidas, inseticidas e fungicidas”, indica.

“Por ser um material bem rústico, o trigo-sarraceno tem bom resultado em solos com fertilidade baixa, diferentemente de outras espécies. Esses são fatores que têm estimulado o agricultor a ir atrás do mourisco. E ele ainda tem um aspecto interessante em relação ao período em que as plantas ficam com flores, de cerca de 30 a 40 dias dentro do ciclo completo. As flores são importantes em função das abelhas e manutenção delas, sem falar para os produtores de mel. Ou seja, gera um benefício amplo para todo o ambiente em si”, completa. 

As áreas com a maior quantidade de plantio e maiores produções de trigo-sarraceno são as que têm registro de clima mais frio, especialmente nos Campos Gerais, região central (como a cidade de Guarapuava) e sudoeste. As colheitas terminaram no mês de junho e, no caso da Protecta, a etapa de beneficiamento começa logo em seguida.

A Protecta possui um programa para a produção de trigo-sarraceno, que mostra uma das estratégias do mercado para essa cultivar e a sua aplicação na rotação de culturas. Inicialmente, o objetivo era exatamente este: utilizar como parte da importante técnica. “Mas, depois, conseguimos achar brechas nos mercados interno e externo. E passamos a fazer o que chamamos de fomento: entregamos a semente para o produtor e acompanhamos as lavouras. Depois, adquirimos a produção para dar destino a esses mercados”, explica Schmidt, citando que 95% da produção do trigo-sarraceno é exportada pela empresa.

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Por que o trigo-sarraceno não avança mais?

Na região sul paranaense, em 2024, o trigo-mourisco entrou no rol de diversificação de culturas, o que também incluiu a aveia branca comercial e o centeio. Isso mostra que o trigo-sarraceno tem a atenção dos agricultores paranaenses. No entanto, não há uma grande escala ou uma perspectiva em curto e médio prazos para que a adesão a essa cultura aumente de maneira significativa.

Segundo Fábio Schmidt, engenheiro agrônomo da Protecta, o potencial para a ampliação do trigo-sarraceno existe, mas, atualmente, a opção por esse cultivar depende dos planos do agricultor a cada ano. “Se os plantios de verão ficam mais tardios e não se consegue plantar as lavouras de soja e milho em época normal, isso diminui bastante a adoção do trigo-sarraceno. Não é possível deixá-lo para mais tarde além do seu período recomendado, o que geraria baixa produtividade. Quando há épocas de plantios normais da safra de verão, na sequência, o trigo-sarraceno entra bem e são anos em que a demanda por área fica aquecida”, esclarece.

Outro desafio é a limitação do mercado interno. Atualmente, o trigo-sarraceno atende uma pequena parte da população e está disponível, em produto final, principalmente em casas de alimentos naturais. A falta de escala impacta também diretamente um possível planejamento para aumentar a produção.

Entretanto, com a descoberta cada vez maior de pessoas com doenças celíacas e a escolha por alimentação mais balanceada, com a inclusão de mais grãos na dieta, o trigo-sarraceno vem, aos poucos, sendo descoberto pela população em geral. “O consumidor, cada vez mais, está preocupado com as intolerâncias e outras questões nutricionais, mas ainda é um mercado que o consumidor está descobrindo. Fora isso, é necessário pensar em preço acessível e facilidade para encontrar esse produto”, lembra Renan Carvalhal, do IDR-PR.

Por enquanto, a produção do trigo-sarraceno no Paraná, que varia conforme o andamento da safra de maneira geral, ainda é tímida e praticamente todo o seu resultado é exportado, especialmente para a Ásia.

Tecnologia no campo: os cultivares do trigo-sarraceno

O Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – Iapar-Emater (IDR-Paraná) desenvolveu duas cultivares do trigo-sarraceno e as lançou no ano 2000: IPR 91 Baili e IPR 92 Altar. As duas são registradas no Ministério da Agricultura e se tornaram as mais aplicadas para esse tipo de produção, com foco na cobertura vegetal da área e rotação de culturas, e com o adicional da venda dos grãos, especialmente para o exterior.

O engenheiro agrônomo e coordenador do Setor de Produtos Tecnológicos do IDR-PR, Renan Carvalhal, explica que esses cultivares têm características distintas. A IPR 91 Baili significa baixa e ligeira, ou seja, tem um porte mais baixo e um ciclo mais curto, de aproximadamente 70 dias, entre a emergência e a produção de sementes. Já a IPR 92 Altar tem uma referência de porte mais alto, com ciclo de aproximadamente 90 dias. “São materiais antigos, lançados ainda pelo Iapar, mas são os únicos materiais registrados para multiplicação no Brasil”, afirma.

Por enquanto, não há perspectiva do desenvolvimento de novas pesquisas sobre o trigo-sarraceno ou seu desenvolvimento genético, até mesmo em função dos resultados que apresenta atualmente no campo.

Assim como acontece com outros cultivares, o trigo-sarraceno também passa por análise de sementes para a emissão de certificado para posterior comercialização, com os mesmos testes de germinação, pureza, determinação e tratamento por número. A coordenadora do Laboratório de Análise de Sementes (LAS) da Apasem em Ponta Grossa, Juliana Veiga, explica que é necessária uma quantidade mínima de 600 gramas de sementes de trigo-sarraceno para uma avaliação e poder emitir um boletim oficial.

O teste de germinação inclui a avaliação da semente em diferentes temperaturas e condições, com quatro a sete dias. “Por ser uma semente rústica, é difícil encontrarmos lotes ruins do trigo-mourisco. Uma das influências principais é o armazenamento, o que pode alterar esse resultado”, explica Juliana.

A tradição do soba, o macarrão japonês com trigo-sarraceno

Um dos principais destinos do trigo-sarraceno produzido no Paraná – e em outras localidades – é o Japão, onde essa matéria-prima é utilizada em um tipo de macarrão bastante tradicional. Chama-se soba. São vários os pratos que têm como base esse macarrão de coloração mais escura, que ganhou relevância na culinária ao longo da história do país asiático, especialmente na segunda metade do século 19. O soba, normalmente, é cortado em tiras finas e pode ser servido em preparações quentes ou frias.

A cultura japonesa é repleta de rituais e o soba também faz parte disso. Uma das receitas mais conhecidas com o macarrão feito a partir do trigo-sarraceno é o toshikoshi soba, feito para as celebrações de Ano Novo. Entre as histórias mais contadas para explicar a tradição é uma referência ao formato do macarrão, comprido, para o desejo de uma vida longa. Também existe uma ligação direta com o trigo-sarraceno, que remete à resiliência e à adaptação mesmo em condições adversas.

Além do toshikoshi soba, outro prato bastante comum com o macarrão japonês feito com trigo-sarraceno é o hikkoshi soba. Quem muda de casa ou de região oferta esse prato como uma espécie de aproximação com os novos vizinhos.

Sobá de Campo Grande

Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o soba deixou de ser apenas ingrediente para se tornar também nome do prato típico da cidade. Grupos de imigrantes japoneses, principalmente da Ilha de Okinawa, levaram o soba para a rotina da região e não demorou muito para ser apreciado pela população em geral. Tanto que se tornou patrimônio imaterial da cidade.

Confira a receita do sobá:

Receita do blog da Sakura Alimentos

Caldo

Ingredientes

  • 1 kg de ossobuco
  • 4 litros de água
  • 1 colher (sopa) de sal
  • 1 colher (café) de Hondashi
  • 1 colher (café) de glutamato monossódico
  • ½ colher (sopa) de caldo de carne
  • Shoyu a gosto

Modo de preparo

Ferva o ossobuco com água por 40 minutos. Acrescente os demais ingredientes e deixe ferver por mais 30 minutos.

Macarrão

Ingredientes

  • 2 litros de água
  • 1 colher (café) de óleo de gergelim
  • 500 g de macarrão de sobá
  • 5 ovos
  • 300 g de carne magra de porco ou boi
  • 200 ml de molho de soja
  • 1 maço de cebolinha picada

Modo de preparo

Ferva dois litros de água com um fio de óleo e cozinhe o macarrão até ficar al dente. Escorra e reserve. Bata os ovos, tempere e frite os omeletes. Depois de esfriar, enrole todos juntos e corte em tiras finas. Cozinhe a carne e corte em pedaços. Coloque numa panela o molho de soja e mexa até ficar sequinha. Escalde o macarrão em água fervente e preencha a tigela, até ficar próxima à borda. Coloque a cebolinha, o omelete e a carne. Por último, coloque o caldo até encher a tigela.

Fontes: Japan House, Nippo Brasil e Sakura Alimentos

Por Joyce Carvalho

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