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Moratória da soja sob ataque: acordo protege o país ou afronta a soberania nacional?

“Eu recebi o telefonema numa sexta-feira, estava viajando, ia pegar o avião: se não tivermos um documento assinado na segunda-feira, se comprometendo a estabelecer um regime onde não se desmate na Amazônia, nós não compramos mais nada de vocês.”

Esse recado curto e grosso foi dado por um porta-voz de clientes europeus em junho de 2006 a Sérgio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Era o pontapé inicial do protocolo que passou a ser conhecido como Moratória da Soja e viria a vetar grãos produzidos em áreas desmatadas na Amazônia, legal ou ilegalmente, após 2008.

O próprio Mendes relatou o episódio durante audiência da Comissão de Agricultura da Câmara sobre a Moratória da Soja, iniciativa polêmica que vem enfrentando pressão crescente de lideranças dos estados situados na Amazônia Legal, notadamente do Mato Grosso, principal produtor da leguminosa do país.

“Esse documento foi assinado sob a égide do medo. Nós íamos perder tudo. Essa foi a história, por isso que todo mundo se engajou. A gente pode dizer que foi um esforço de guerra. Hoje [a moratória] é uma conquista excepcional, mais da produção do que nossa”, afirmou Mendes, destacando um legado positivo daquilo que começou como uma imposição arbitrária.

Moratória exige mais do que a lei nacional

Enquanto a Anec, a Associação das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e ONGs ambientalistas veem a moratória como um selo de garantia para preservar clientes e mercados, os opositores dizem tratar-se de uma rendição aos interesses comerciais de grandes tradings e países europeus. Seria, sobretudo, uma afronta à soberania nacional ao impor restrições à revelia da lei brasileira, que autoriza o uso de até 20% das áreas da Amazônia Legal.

Na prática, um proprietário rural da Amazônia Legal não pode plantar nem sequer um pé de soja em áreas que tenham sido desflorestadas após 2008. A carne produzida nessas áreas também é boicotada. Quem se arrisca a ignorar o protocolo, mesmo amparado pela lei brasileira, é identificado por mapas de satélite e enfrenta um severo bloqueio comercial.

As tradings que participam do acordo, dentre elas gigantes como a Bunge, Cargill, Amagi e ADM, originam cerca de 95% da soja exportada pelo país. Também são signatários da moratória ONGs como o Greenpeace, WWF Brasil e Imaflora, e, por parte do governo federal, o Banco do Brasil e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Não há representantes dos produtores no acordo.

Se no início a insatisfação mais declarada veio dos agricultores, mais recentemente a oposição à moratória tem crescido no meio político, mobilizando o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, parlamentares e dezenas de prefeitos.

“Isso é uma aberração que vai aumentar as desigualdades regionais entre os municípios. Não estamos falando da defesa dos produtores, mas da sobrevivência econômica dos municípios mato-grossenses”, assegura Leonardo Bortolini, prefeito de Primavera do Leste (MT) e presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM).

Fonte: Gazeta do Povo/Marcos Tosi Foto: Michel Willian / Arquivo Gazeta do Povo

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