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Agricultura de baixo carbono

Apontada como uma alternativa eficaz para diminuição de impactos nas mudanças climáticas, reduzir gases de efeito estufa na atmosfera e trazer benefícios financeiros e econômicos a agricultores e à cadeia produtiva, a agricultura de baixo carbono ainda não traz resultados práticos que beneficiem os produtores.

A agricultora Sueli Linhares é do sudoeste do Paraná e, há três anos, tem destinado parte da propriedade ao cultivo de aveia com técnicas de emissão de baixo carbono. Ela se prepara para plantar a soja na mesma modalidade, mas está insatisfeita com o que vê. “Seguimos tudo de forma muito criteriosa, rigorosa, com acompanhamento técnico, fazemos a entrega do produto à indústria, não recebemos mais por isso e a indústria comercializa nossa aveia com valor agregado e indicação de agricultura de baixo carbono”, destacou.

Para a produtora rural, é essencial que haja um regramento que possa, de fato, beneficiar quem cultiva no campo e está responsável por todos os tratos e manejo. “O que vemos hoje é apenas parte da cadeia se beneficiando e quem planta não tem os resultados esperados, apenas a dedicação”, ponderou. Quem atua com pesquisa espera que esse cenário possa mudar em breve.

Em dois anos, deve vigorar um selo que vem sendo estruturado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e outros órgãos ligados ao segmento para uma das áreas em que o Brasil é referência mundial em produção: a soja.

Quem se dedica ao plantio da soja poderá alcançar o registro de produção de agricultura de baixo carbono com a promessa de, a partir dos regramentos, acessar benefícios à cadeia produtiva. A iniciativa é voluntária e vem sendo operada em forma de teste em 60 regiões produtoras da oleaginosa no Brasil.

A promessa é que seja um diferencial para o país em relação aos centros mundiais consumidores num aspecto que cresce como exigência de mercado. “A gente espera que isso de fato possa chegar aos produtores e em efeito cascata, para a soja e outros grãos, que possamos dizer que estamos contribuindo ainda mais com o meio ambiente, mas que tenhamos uma compensação por isso”, completou a agricultora.

Boas práticas do agro precisam ser propagadas no exterior

No campo, a conscientização vem sendo potencializada, afirma o diretor-presidente da Coopavel, Dilvo Grolli. Ele acredita na metodologia da produção, mas avalia que boas práticas ambientais seguidas pelo agro brasileiro precisam ser anunciadas e defendidas pelas autoridades no exterior.

Localizada na região oeste do Paraná, a cooperativa é a realizadora do Show Rural, evento do agronegócio brasileiro que reúne mais centenas de milhares de visitantes. A feira figura como uma importante vitrine nas Américas para inovações e tecnologias do agro. Nos dois últimos anos, os destaques foram o setor de pesquisa e a presença de indústrias que se voltam à colocação no mercado de bioinssumos.

“O mercado de bioinssumos está crescendo muito com o uso mais intenso de bactérias para o fortalecimento das plantas e combate aos invasores e depredadores. Temos aumentado nossa produção de forma sustentável, com foco na elevação da produtividade, sem novas áreas de cultivo. Somos um agro que cuida, que adota boas práticas e está preocupada com o meio ambiente”, afirma Grolli.

De acordo com Grolli, aliado às boas práticas de cultivo, o produtor está atento a manter e melhorar condições sustentáveis. “Estamos falando em tirar produtos químicos e pondo bioinssumos nas nossas propriedades, além de ferramentas que acelerem processos de produtividade, melhoria de controle e preservação, mas isso precisa ser visto e valorizado. Estamos preocupados com isso”, diz.

O selo aguardado para 2026 é bem visto pelo setor produtivo, com a ressalva sobre a necessidade de vircom a conscientização de que o agronegócio brasileiro está ancorado na preservação, pontua Grolli. “Nos últimos 30 anos nossa produção aumentou 440% e as novas áreas incorporadas somaram cerca de 100%. Toda diferença de crescimento foi com produtividade, inovações, novas tecnologias – e tudo isso com preservação. Hoje não se explora novas áreas e estamos crescendo em produção graças às melhorias genéticas e tecnológicas, conciliadas à preservação ambiental”, completa.

O presidente da Coopavel lembra que 60% do território nacional estão preservados e que se utiliza cerca de 8% do território brasileiro – algo em torno de 80 milhões de hectares – para produzir alimentos a aproximadamente um bilhão de pessoas no mundo. “Nós alimentamos com boas práticas quase cinco vezes o tamanho do Brasil e o produtor brasileiro está fazendo isso há décadas. Doamos de 20% a 80% da nossa propriedade para o meio ambiente e, mais uma vez, o mundo precisa valorizar isso”.

Para Grolli, a conta é simples. Se existem 850 milhões de hectares em solo brasileiro, 60% estão preservados, existem no Brasil cerca de 515 milhões de hectares intocados. “Temos que ter orgulho e coragem de não concordar com o que o mundo fala sem conhecer o Brasil. Estamos preservando, mas precisamos reverter a imagem do Brasil lá fora e mostrar que tem um ecossistema preservado”.

Além dos fatores de preservação adotados, o setor produtivo espera pela identificação da soja baixo carbono. “Isso precisa trazer resultados ao nosso produtor e à indústria”, completa ele.

Segundo a pesquisadora Roberta Carnevalli, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Soja, a empresa está focada em apresentar alternativas de diversificação de culturas e orientar sobre o impacto da adoção do sistema de plantio direto na melhoria da qualidade do solo e, consequentemente, na produtividade de um dos principais ativos brasileiros.

E a estratégia passa pelo cultivo da soja de baixo carbono. O Brasil é o maior produtor mundial do grão, com mais de 150 milhões de toneladas colhidas no ciclo 2022/2023, além de maior exportador do cereal: foram quase 23 milhões de toneladas no último ano.

A metodologia para soja baixo carbono não envolve produção de orgânicos, e sim a adoção de medidas no campo que retrairão emissões dos chamados gases nocivos. “As gramíneas, a exemplo das braquiárias, produzem raízes robustas e mais profundas do que as leguminosas [soja, crotalária e guandu] e, por isso, incentivamos sua introdução nos sistemas mais sustentáveis”, orienta a chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Soja.

Entre as tecnologias que vêm sendo recomendadas à agricultura e soja baixo carbono está a coinoculação, que corresponde à adição em mais de um microrganismo que beneficia as plantas para potencializar a contribuição com as bactérias fixadoras de nitrogênio (bradirizóbio) e as promotoras de crescimento (azospirillum). A metodologia também consiste em manejo racional de fertilizantes, manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, além de um sistema no qual o Paraná é pioneiro e considerado modelo: o plantio direto.

A primeira versão do documento “Diretrizes técnicas para certificação da soja baixo carbono” foi publicada neste ano. Segundo a Embrapa, o documento contém as premissas para atestar a diminuição [que podem chegar a 30%] das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em sistemas de produção agrícola candidatos do Brasil.

As diretrizes estão sendo usadas para subsidiar a coleta de dados em cinco macrorregiões produtoras de soja no Brasil. Segundo a Embrapa, a publicação das diretrizes é o primeiro passo para validação da metodologia que está sendo desenvolvida e vai culminar com o selo, do qual se espera reconhecimento e compensação do mercado.

“Ao adotar as boas práticas agrícolas e seguir os requisitos preconizados pelo PSBC [Programa Soja Baixo Carbono], o produtor rural submeterá seu sistema de produção à aferição da certificadora credenciada. Se obtido, o selo SBC acompanhará a comercialização da soja, um diferencial competitivo valorizado no mercado”, diz a Embrapa.

Entre as práticas obrigatórias estão:

Plantio direto

Boas recomendações de coinoculação, adubação e correção do solo

Uso de defensivos agrícolas tecnicamente prescritos

Obedecer ao Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc)

Manejo integrado de Pragas (MIP)

Manejo Integrado de Doenças (MID)

Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD)

Práticas conservacionistas de manejo do solo e do sistema, complementares ao SPD

Uso de sementes certificadas;

Integração lavoura-pecuária-floresta

Adoção de ferramentas digitais e georreferenciadas para o manejo sítio-específico

Realização de análise físicas e biológicas para monitorar a qualidade do solo.

Após estabelecer e validar o protocolo de certificação, as diretrizes indicam o que medir e avaliar, enquanto o protocolo detalha como fazer. “O processo de validação envolve a discussão do protocolo com o setor produtivo, com organismos internacionais e com representantes do mercado do grão, para que a metodologia proposta reflita a realidade do produtor brasileiro e, ao mesmo tempo, seja aceita e respeitada internacionalmente”, completa a pesquisadora da Embrapa.

Fonte: Gazeta do Povo Foto: Gilson Abreu

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