Um dos principais encontros que discutem a produção de trigo no Brasil aconteceu em Brasília (DF), no ano passado. A avaliação de quem participou da Reunião do Trigo, composta pelo “Fórum Nacional de Trigo e a 15ª Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale”, é de que as perspectivas são positivas para a produção do cereal nos próximos anos. O país, hoje um dos maiores importadores de trigo no mundo, se mantiver sua escalada de crescimento em área e produtividade, deve virar o tabuleiro em dez anos, passando a ser um dos maiores exportadores.
Quem faz essa análise é o chefe-geral da Embrapa Trigo, unidade de pesquisa da Embrapa, Jorge Lemainski. “Em 2015, o Brasil colheu 5 milhões de toneladas (t) de trigo. Em 2020, a produção chegou a 6,2 milhões de toneladas. Em 2021, atingiu 7,7 milhões de toneladas. Em dez anos, caso a produção de trigo cresça 10% ao ano, alcançaremos 20 milhões de toneladas, em 2031. Isso significa que o Brasil poderá exportar para o mundo a diferença, transformando-se de grande importador para um dos maiores exportadores mundiais de trigo em médio prazo, mudando assim a geopolítica do trigo no globo”, conta ele na entrevista a seguir, concedida à Revista Apasem.
Lemainski, que está na chefia-geral da Embrapa Trigo desde 2021, também falou sobre a invasão russa ao território ucraniano e suas consequências para o mapa do trigo no mundo, discorreu sobre a tecnologia que torna áreas do Cerrado propícias ao cultivo do cereal e sobre o cenário atual do trigo no Brasil.
Confira a entrevista na íntegra:
Revista Apasem: Qual é a demanda atual do trigo no Brasil? Como ela é atendida e qual a provisão para os próximos anos com o aumento de área?
Jorge Lemainski: Hoje o consumo brasileiro de trigo é de 12,7 milhões de toneladas por ano. Em 2021, foram importadas 6,7 milhões de toneladas, com origem principalmente de países como Argentina (87% das importações de trigo). O Brasil é o 8º maior importador de trigo do mundo. As importações oneram a balança comercial em mais de 10 bilhões de reais por ano.
A evolução do consumo de trigo no Brasil é de 162 mil toneladas por ano, considerando uma série histórica de 1995 a 2021 (Fonte: Abitrigo 2021). A produção em uma área cultivada de 3 a 3,1 milhões de hectares semeados na safra brasileira de trigo 2022 deve superar os 9 milhões de toneladas, volume suficiente para atender 70% da demanda nacional.
A Embrapa Trigo tem como meta contribuir para um aumento mínimo de 300 mil hectares de trigo no Brasil na safra 2022 em relação a 2021, um crescimento de 11%. Somente este aumento deve impactar positivamente na balança comercial brasileira na ordem de R$ 1,7 bilhão.
Com o aumento da área de cultivo, ganhos de produtividade via genética de sementes e manejo eficiente da cultura de modo a resultar em rentabilidade para o produtor rural. Em menos de uma década, o Brasil vai produzir todo o trigo de que necessite.
RA: A invasão russa ao território ucraniano, um dos maiores produtores do cereal no Globo, pode trazer que tipos de consequências ao Brasil? De que forma o mercado tem acompanhado os desdobramentos?
JL: O Brasil não é importador da Rússia e da Ucrânia, principalmente em função do alto custo para o frete marítimo. Contudo, como maiores exportadoras mundiais de trigo, a Rússia e a Ucrânia são balizadoras de preços no mercado internacional, afetando as cotações do trigo também no mercado interno brasileiro.
Há uma combinação de diferentes fatores que tornam o trigo atrativo para os agricultores, como bons preços pagos pelos grãos – há liquidez para o trigo destinado à produção de farinha, para compor ração para a cadeia de proteína animal e aumento da demanda no âmbito internacional (com os recentes problemas políticos entre dois dos maiores exportadores mundiais do trigo: Rússia e Ucrânia) –, a evolução da genética e do manejo, com o trigo compondo o sistema agrícola produtivo, além do prognóstico climático favorável à produção de trigo na safra 2022, que reforçaram o aumento na área semeada no Brasil. A Região Sul do Brasil cultiva 91% da área de trigo, enquanto os demais 9% são cultivados na região do Brasil Central, o chamado “trigo tropical”.
RA: Na Embrapa e no MAPA, muito tem se discutido sobre autossuficiência. Qual é a visão da Embrapa Trigo neste tema?
JL: Em 2015, o Brasil colheu 5 milhões de toneladas de trigo. Em 2020, a produção chegou a 6,2 milhões de toneladas. Em 2021, atingiu 7,7 milhões de toneladas. A previsão para 2022 deve superar os 9 milhões de toneladas. Em dez anos, caso a produção de trigo cresça 10% ao ano, passaríamos de 9 milhões, em 2022, para 20 milhões de toneladas, em 2031. Isso significa que o Brasil poderá exportar para o mundo essa diferença, transformando-se de grande importador para um dos maiores exportadores mundiais de trigo em médio prazo, mudando assim a geopolítica do trigo no mundo.
RA: O que se pode destacar sobre a Reunião do Trigo 2022? O que o encontro trouxe de novo em suas discussões?
JL: No Brasil, existem diversos mercados para liquidez do trigo: indústria moageira (pães, massas, farinhas e biscoitos); indústria de proteína animal (ração, forragem para carne, leite e ovos); mercado externo e biocombustíveis (etanol amiláceo). Esses mercados foram apresentados por meio de painéis no Fórum do Trigo, mostrando o esforço conjunto de diversas instituições do setor produtivo, indústria moageira, indústria de proteína animal, federação de agricultura, associações, cooperativas, empresas de pesquisa, assistência técnica e extensão rural, que são voltadas ao aumento do cultivo de trigo no Brasil.
No encontro, o destaque foi o potencial de rendimento alcançado pelas cultivares de trigo disponíveis no mercado hoje, frutos de mais de 40 anos de pesquisas com o cereal no Brasil. Na década de 1970, a produtividade de trigo era de aproximadamente 600 kg/ha. Com os trabalhos para o melhoramento do trigo, a média, hoje, gira em torno de 3000 kg/ha, ou seja, cresceu 5 vezes a produção na mesma área. Nesta safra, 2022, se o clima continuar favorecendo, a média de produtividade das lavouras deve superar os 3100 kg/ha.
A expansão da triticultura tropical tem como principal limitação a brusone, doença fúngica que em anos reduz a produtividade e a qualidade do grão. Porém, existem avanços na genética e no manejo da cultura para contornar o risco do cultivo. O trigo tropical evolui em área desde o norte do Estado do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, bem como até os Estados do Brasil Central, Norte e Nordeste. Na “Reunião de Pesquisa” foram apresentados os avanços para conter a brusone no trigo, com o manejo integrado de ferramentas como marcadores moleculares, engenharia genética, seleção de plantas no campo, ajuste nas épocas de plantio e colheita (zoneamento), defensivos mais eficientes e maior precisão na tecnologia de aplicação de fungicidas. Lavouras do Cerrado, que chegavam a 100% de perdas por brusone no trigo, hoje mantêm satisfatório nível de controle da doença, com perdas limitadas entre 20% e 30%, quando aplicado o manejo integrado indicado pela pesquisa.
RA: O maior produtor brasileiro de trigo alcançou produtividades excepcionais. O Cerrado se mostra, mais uma vez, como uma fronteira agrícola também para o trigo. Isso deve se concretizar?
JL: A área propícia ao cultivo de trigo no Cerrado é estimada em 4 milhões de hectares, sendo 1,5
milhão disponível para o cultivo irrigado e 2,5 milhões, para cultivo de sequeiro. Da área potencial de produção de trigo no Cerrado, apenas 5% são cultivados com o cereal, o que representa pouco mais de 200 mil hectares.
Atualmente, os cultivos abrangem áreas nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Bahia. A média de rendimentos no Cerrado tem ficado em 2 mil kg/ha em sequeiro e 6 mil kg/ha no irrigado. Em 2021, o Brasil atingiu o recorde mundial de produtividade/dia (80,9 kg/ha/dia), quando, em 14 de setembro, depois de 119 dias da emergência das plantas, foram produzidos 9.630 kg/ha em lavoura comercial de trigo irrigado, em Cristalina, Goiás.
Os resultados, tanto em rendimento quanto em qualidade do trigo produzido no Cerrado, têm chamado a atenção da indústria, fomentando a instalação de novos moinhos na região. A oferta ambiental do Cerrado para o trigo compor os sistemas de produção de sequeiro depois dos cultivos principais de soja e milho no verão, colhidos em fevereiro e março, e no sistema irrigado, a partir de abril, sugerem o aumento da área de cultivo de trigo tropical destinado especialmente para a panificação, massas e biscoitos. Não apenas no Cerrado, mas existe também fronteira para avançar com trigo na Região Sul, em rotação com cultivos de verão como soja, milho e arroz. Em 2021, a Região Sul contabilizou 2,4 milhões de hectares cultivados com o trigo, mas estima-se que ainda existam 8 milhões de hectares aptos para serem cultivados com trigo (em sistema de sequeiro), tornando o inverno uma nova fronteira agrícola a ser explorada.
RA: Mesmo não sendo autossuficiente, por que exportamos o trigo aqui cultivado?
JL: No Brasil também têm crescido as exportações de trigo por questões de mercado e logística. O Rio Grande do Sul exportou da safra 2021 um volume de 2,9 milhões de toneladas para os mercados de 14 países (Indonésia, Vietnã, Arábia Saudita, Marrocos, Paquistão, Israel, Venezuela, Turquia, Uruguai, África do Sul, Egito, China, Sudão e Equador). Com a finalização da safra 2021/22, o Brasil importou 6.080 milhões de toneladas e exportou 3.045 milhões de toneladas.
A Embrapa continua a dedicar todo o esforço para a produção do trigo de que o Brasil necessite. Em menos de 10 anos, com o aumento de área, genética e manejo eficiente, alcançando produtividades rentáveis, o Brasil será autossuficiente em trigo.
Fonte: Revista Apasem/Everson Mizga Foto: Luiz Magnante
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